Crise hídrica: impactos para o consumidor de energia
Publicado em 24 de junho de 2021
O Brasil vive, hoje, a pior crise hidrológica em 91 anos, com níveis alarmantes nos reservatórios das principais usinas hidrelétricas em decorrência da escassez de chuva nos últimos anos. Desde outubro, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) vem adotando medidas para garantir o abastecimento de energia no País, o que inclui o acionamento de usinas térmicas mais caras e a importação de energia da Argentina e do Uruguai.
No fim de maio, o Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu um alerta de emergência hídrica, de junho a setembro, para cinco Estados brasileiros (Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná), situados na bacia do Rio Paraná, onde a situação é crítica. Posteriormente, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) emitiu um alerta sobre a situação. Em nota técnica sobre as condições de suprimento do segundo semestre, o operador alertou para a possibilidade de colapso em oito reservatórios hidrelétricos.
Isso levou o CMSE a determinar novas ações, com o intuito de reter água nos reservatórios da região, evitando a liberação de volumes para outras atividades, como navegação, pesca e captação de água.
No último Energy Report, a PSR indica, em uma análise de sensibilidade conservadora, que o SIN atingirá o nível mais baixo em novembro, chegando a 10% do volume total. Cabe destacar que terminamos maio de 2021 com o uso de 42% dos reservatórios.
Toda essa situação deverá manter o preço da energia elétrica em alta ao longo do ano, devido ao maior acionamento do parque termelétrico. As projeções do PLD¹ (preço de liquidação das diferenças), divulgadas pela CCEE, indicam um aumento nos preços, chegando ao PLD máximo de R$ 583,88 a partir de julho, com a expectativa de valores elevados perdurando até setembro. Esse comportamento e patamar de preços alcança todo o país, pelo menos até março de 2022.
¹PLD é o preço base para operações de compra e venda no mercado de curto prazo, e possui efeito nos preços de médio e longo prazos.
Encargos de Serviços de Sistema
Desde outubro de 2020, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) tem autorizado despachos de térmicas fora da ordem de mérito, que são as usinas cujos custo de geração estão acima do PLD. Essa foi uma das medidas tomadas pelas entidades do setor para poupar os reservatórios que estão abaixo do nível esperado.
A geração termelétrica fora da ordem de mérito gera o Encargo de Serviço de Sistema (ESS), custo sentido pelos consumidores a partir da liquidação financeira da CCEE de outubro/2020. Segundo a projeção da MegaWhat, de janeiro de 2020 a março de 2021 os consumidores já pagaram R$ 5 bilhões de encargos e, para o período de julho a dezembro de 2021, a estimativa é de um total de R$ 9 bilhões, ou seja, um aumento de 80% em 1/3 do período. Para efeitos de comparação, em 2019 o montante de ESS ficou em pouco menos de R$ 1,7 bilhão.
No ambiente de contratação regulada (cativo), a projeção é de que haja o acionamento de bandeira vermelha patamar 2 até outubro de 2021, passando para o patamar 1 em novembro. Adicionalmente, espera-se um reajuste dos valores das bandeiras tarifárias de 20%, segundo o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone.
Possibilidade de Racionamento
Todas essas notícias sobre a crise hídrica geram uma preocupação geral sobre o futuro, em especial sobre a possibilidade de haver, ou não, um racionamento como o ocorrido em 2001.
A PSR realizou simulações para o ano de 2021, considerando as condições de suprimento e a projeção de carga demandada, abrangendo dois cenários: Conservador e Estresse. Ambos os cenários não apresentaram a possibilidade de cortes de energia ou potência como resultado.
Segundo a empresa, não é possível realizar uma comparação da situação atual com a vivida em 2001, pois a matriz de geração do país teve uma mudança expressiva, permitindo um maior leque de opções de geração do que há 20 anos. Na época, a matriz energética brasileira era formada 90% por hidrelétricas e 10% por térmicas. Atualmente, o parque de geração é 65% hidrelétrico, 20% térmico e 15% de renováveis.
Para 2022, o cenário se mostra mais positivo, já que está prevista a entrada de 10 GW de capacidade no sistema. Porém, ainda é necessário um monitoramento da situação hidrológica, em conjunto com a oferta de outras fontes e a demanda dos consumidores.
O posicionamento do MME
O Ministério de Minas e Energia (MME) também descarta o risco de racionamento. Porém, no dia 12 de junho, foi divulgado que o governo elaborou uma minuta de Medida Provisória (MP), com a criação da Câmara de Regras Operacionais Excepcionais para Usinas Hidrelétricas (CARE), uma espécie de comitê de crise que teria poderes para estabelecer medidas de racionamento. A CARE também teria poderes de contratação emergencial de termelétricas e sobre o uso das águas dos reservatórios, sem precisar do aval de outros órgãos e entidades.
A minuta da MP, em caso de efetivo racionamento, não faz referência a incentivos ou bônus para quem economizar além da meta a ser determinada pelo governo, como ocorreu no passado, e nem define essa meta. Outro assunto pontuado pelo documento é o fato de que os custos das medidas, inclusive eventuais indenizações aos prejudicados pela não manutenção do uso múltiplo da água, serão pagos pelo consumidor, por meio de taxas nas faturas de energia.
O MME publicou uma nota, ainda no dia 12 de junho, trazendo explicações sobre a situação hídrica vivida hoje e outras informações sobre a matriz energética brasileira. Por fim, encerrou dizendo que o governo vem explorando todas as medidas a seu alcance para permitir a passagem pelo período seco de 2021 sem a imposição de um programa de racionamento. Contudo, não houve menção à MP em análise no texto.
Durante a audiência pública realizada na Câmara dos Deputados no último dia 15 de junho, diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) também descartam a possibilidade de racionamento, afirmando que as medidas anunciadas pelo governo para garantir o fornecimento de energia elétrica este ano, como o acionamento de todas as usinas termelétricas disponíveis e o aumento da importação de energia da Argentina e do Uruguai, devem afastar o risco de racionamento no curto prazo.
Em oposição a esse discurso, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), após encontro com o ministro Beto Albuquerque no dia 15 de junho, alega que existe sim a possiblidade de racionamento. Segundo o presidente da Câmara, não existe risco de apagão, porém deverá haver aumento de preços. “Não se falou em apagão, falou-se em racionamento, na economia, a gente não manda na chuva. Mas não acredito que tenha apagão, pode ter energia mais cara por causa do uso das térmicas”, disse.
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